Roberto Dinamite e a lembrança que (acho que) inventei

Não lembro o ano. E nem sei se essa história aconteceu mesmo, ou se é dessas memórias que a gente cria para preencher alguma lacuna em nossa mente. Mas eu lembro do meu pai, contar sobre o gol do Roberto Dinamite, num jogo contra o Fluminense, durante o café da manhã do dia seguinte. O gol existe. É um dos inúmeros golaços que o Roberto fez na sua brilhante carreira.

Roberto recebe um lançamento e com um toque tira do goleiro. A bola, no entanto, corre quase até a linha de fundo. Ele para ela, com a intimidade que só os amantes têm. Trata com carinho, enquanto o goleiro e um zagueiro correm em direção ao atacante. Com um toque sutil, em prefeita harmonia com a redonda ele volta enquanto a dupla de defensores cai diante do balé desengonçado que o grande jogador do Vasco proporciona diante de seus adversários. Com um toque sutil, ele colocar a bola na rede por cima da dupla, agora no chão, enquanto um terceiro defensor olha a bola entrar sem nada poder fazer.

Essas pequenas alegrias, de poder contar sobre um gol na mesa do café da manhã por exemplo, são as memórias que, verdadeiras ou não, nos conduzem durante a vida. O Maracanã está cheio delas, e o Roberto também.

A outra lembrança do Roberto vem com trilha sonora: “recordar é viver, o Tita acabou com você”. Foi o jogo do balão. Final do Carioca de 1987. O gol foi do Tita, ex-jogador do Flamengo, mas o passe, esse foi do Roberto. A primeira grande alegria no Velho Maraca. A matada no peito, a bola na grama, a rolada para o companheiro, que com a raiva dos que foram dispensados e precisam provar o seu valor, afundou a rede adversária. Explosão no concreto, outrora frio e agora esquentado pela expectativa dos ansiosos torcedores e a festa que se desdobra. Vasco 1 x 0 Flamengo e campeão estadual.

Descemos a velha rampa monumental do Maraca zoando os flamenguistas, antes mesmo desse termo ser notório. Naquele tempo podia, descer a rampa e zoar os adversários que não eram inimigos.

Mais do que tudo, mais do que meu ídolo, o Roberto era o ídolo dos meus pais. Do meu pai, André, e do Zé. Eles que nos levavam para o Maracanã desde cedo, por volta dos 5 anos de idade, onde mal conseguíamos acompanhar o espetáculo, diante de tantos estímulos, torcida, vendedores e a própria estrutura do antigo maior do mundo que nos proporcionavam tamanho espetáculo que que o jogo era um detalhe. Só mais tarde, quando tudo isso não era mais novidade é que víamos de fato o jogo. E é esse jogo, a memória mais importante do futebol para mim, ou mais antiga e marcante, pois tempos viveria, no mesmo estádio glórias maiores com o Vasco. E no centro do jogo e daquele memória, Roberto.

Ainda teve o detalhe do balão. E não um detalhe qualquer. Era comum soltaram balões no Maracanã antes do jogo. A torcida do Flamengo já tinha soltado (alguns, eu acho) e as torcidas acompanhavam e vibravam quando o balão conseguia vencer a corrente de vento e ultrapassar a velha marquise. O balão do Vasco não conseguiu. Subiu, bateu na marquise e lambeu, para o delírio do outro lado. Motivo para guerra de cantos das torcidas, comemorando seus feitos em forma de arame e papel, enquanto em campo se desenrolava uma peleja de alguma categoria de base. Comemoravam a derrota do balão do Vasco. Mas ele, assim como o Time da Virada, ainda tinha cartas na manga. Queimou, é verdade, mas proporcionou a memória mais incrível que uma criança de dez anos poderia ter antes do jogo começar. Desceu queimando as cores do time, planou até o campo. Caprichosamente entrou no gol, permitindo à nossa torcida, e já prevendo o que ia acontecer, comemorar o primeiro gol da tarde, trazendo toda a alegria a ironia com que o povo brasileiro encara todas as dificuldades da vida sofrida que leva.

Vasco, futebol e Roberto Dinamite (pra não falar da política) são a essência das primeiras memórias que animavam os nosso pais e que aprendemos a admirar e acompanhar.

Mas o tamanho da figura do Roberto Dinamite não pode ser medida com a régua de poucas lembranças pessoais. Ele foi o maior de todos os goleadores do seu tempo, Brasileiro, Carioca, todos os clássicos. Roberto era um gigante escondido. Pouco reconhecidos, seus feitos agora afloram para que outras figuras comecem a entender que ele não cabia só no Vasco, por Gigante que esse seja. Uma justiça tardia, como sempre é a justiça dos seres humanos, assim espero.

Roberto merece a memória coletiva do reconhecimento por seus feitos, por seus gestos gentis. Merece tudo o que um ídolo pode receber quando seu corpo nos deixa.

Roberto, de qualquer forma, tem seu nome escrito entre os grandes jogadores de futebol, que proporcionaram muitas alegrias para seus torcedores e admiradores do futebol, atividade tão valorizada no nosso tempo histórico.

Vai-se agora a figura humana e adorada de todos no meio futebolístico e fica a história, o jogador mais amado e maior ídolo dessa imensa torcida, um pouco menos feliz nessa semana.

O Roberto Dinamite repousará para sempre no campo de São Januário, onde já se materializa sua figura em bronze.

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